segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Em Bolonha: como navegar (e não naufragar) no meio de um mar de ilustrações?


Este ano, o Planeta Tangerina foi convidado a fazer parte do júri da Mostra Illustratori, a exposição de ilustração que decorre durante a Feira do Livro de Bolonha.
Esta exposição (e o catálogo que a acompanha) são aguardados com grande expetativa por todos os visitantes da feira e a seleção feita em cada ano é sempre motivo de alguma conversa e discussão. Sobretudo para quem está a começar e não tem ainda trabalho publicado "ser selecionado para Bolonha" é um incentivo importante. E não é raro vermos em Bolonha trabalhos de ilustração que não correspondem aos nossos critérios pessoais em relação àquilo que deve ser uma "boa ilustração". Quando se está do lado de lá, torna-se mais fácil perceber porquê.
Em Bolonha, os jurados são sempre diferentes e, por isso, o júri acolhe todos os anos variadíssimas experiências de vida, gostos e critérios: alguns jurados valorizam mais a parte técnica, outros a artística, alguns dão importância a que uma ilustração possa atrair imediatamente uma criança, outros procuram simplesmente algo novo. Esta variedade de olhares torna a seleção de Bolonha uma surpresa em cada ano e pode também, é claro, dar azo a polémicas. Uma escolha deste tipo, aberta e completamente livre, é sempre circunstancial e subjectiva, e logo, muito discutível. Não há mal nenhum nisso.
(Etienne Delesser, ilustrador e curador do site francês Ricochet, um dos mais lidos por editores e ilustradores, arrasou com a seleção feita em 2012. Resultado: no ano seguinte foi convidado a fazer parte do júri, para ter oportunidade de viver a experiência na pele...)



Este ano, fizeram parte do júri: eu (Isabel), em representação do Planeta Tangerina; Kitty Crowther, autora e ilustradora belga e vencedora do Prémio ALMA em 2010; Anna Castagnoli, ilustradora italiana e autora do blog Le Figure de Libri (visitado por ilustradores de todo o mundo) e ainda Errol van der Veldt, diretor do museu holândes Textiel Museum (e que trouxe, lá está, um olhar de outsider, muito importante para o júri). Fizemos uma equipa muito entusiasmada. Muito unida. Com muita vontade de discutir e perceber o olhar do outro. Com muita vontade de aprender, digo eu.



Normalmente, olhamos para uma imagem e pensamos "Gosto" ou "Não gosto". E, se nos perguntam porquê, a tendência é respondermos com argumentos muito mais emotivos do que racionais (embirro com isto ou aquilo, não gosto deste plano, destes olhos...). Mas, quando nos convidam a fazer parte de um trabalho assim, é preciso ter critérios um pouco mais sólidos e dar nomes concretos a sensações, problemas e soluções. É também importante manter o espírito aberto e estar preparado, não só para aceitar uma escolha que não corresponde cem por cento ao nosso gosto pessoal, como, ainda mais importante, para mudar de ideias durante o processo de seleção. Aconteceu-nos a todos: não gostar de um trabalho e, depois de ouvir alguém falar com mais detalhe sobre as razões da sua escolha, passar a valorizá-lo de outro modo. É como abrir os olhos um pouco mais.

O que fizemos, em Bolonha, foi conversar bastante de maneira a criar uma espécie de base comum a todos. Ainda antes de iniciarmos a seleção, trouxemos algumas perguntas para a mesa do pequeno-almoço: o que é que procuramos numa ilustração? Ao que é que damos mais valor? O que chama a nossa atenção num trabalho? O que pomos imediatamente de parte? Para que serve uma mostra deste tipo? Desta conversa saíram logo uma série de palavras que estariam na base dos nossos critérios e que, em momentos de indecisão, foram uma grande ajuda para escolher ou pôr de parte trabalhos. Porque — é fácil imaginar porquê — não foi fácil chegar à lista final de selecionados...


















Quando entramos pela primeira vez no hangar onde estão organizados os trabalhos a concurso, não podemos deixar de pensar como há tantos ilustradores no mundo(!) e como as mesas quase caem com o peso de tantas expetativas ali juntas...
A tarefa que temos pela frente é uma verdadeira empreitada. Em 3 dias temos de selecionar um máximo de 80 trabalhos entre as categorias Fiction e Non Fiction. Para tal é preciso andar, andar, andar (acho que andámos dezenas de quilómetros nos corredores entre as mesas), é preciso olhar muito atentamente para tudo e, numa primeira fase, deixar que a intuição nos guie. E depois é preciso parar, conversar, discutir, analisar tudo mil vezes. Voltar a andar, a andar, a andar... Parar de vez em quando. Deixar que a memória faça o seu trabalho e nos faça regressar a qualquer coisa que deixámos para trás...



















Este ano, 3188 ilustradores, de 191 países do mundo, enviaram trabalhos para Bolonha. Houve países que concorreram com dezenas de trabalhos (Itália, Japão, França); outros que não participaram de todo (muitos países africanos, por exemplo); outros dos quais começam agora a chegar as primeiras participações e que prometem dar cartas nos próximos tempos (China). Houve ainda trabalhos enviados por livre iniciativa dos autores (quase todos), outros que chegaram integrados em escolas ou cursos de ilustração. Inglaterra, Itália, França e Alemanha são dos países que concorrem com mais estudantes.
É natural que, em anos anteriores, os critérios tenham sido outros, mas este ano não procurámos ter uma representatividade equilibrada no que diz respeito aos países ou à participação das escolas /autores individuais: quase sempre avaliámos os trabalhos sem sabermos a sua origem e na nossa escolha final esses não foram critérios importantes.

No centro de tudo colocámos antes: a honestidade do autor, e por isto entenda-se a capacidade de criar um universo próprio, sólido que, mesmo tendo referências de outros artistas, não seja apenas uma cópia (mesmo que bem feita); a capacidade de surpreender (arriscando, experimentando); a coerência do conjunto das 5 imagens; a parte técnica (considerámos importante existir um nível mínimo de domínio das técnicas usadas); a capacidade de contar uma história e/ou de transmitir emoções/ ambientes/sensações.
É claro que, se fosse outro o grupo de jurados, os critérios seriam outros e a seleção feita teria sido outra também.

Uma nota para o final: é muito difícil avaliar um ilustrador através de apenas 5 imagens e, ainda mais, quando essas imagens estão fora de qualquer contexto (não existe um texto, um livro, uma história a acompanhá-las...). Em muitos casos tivemos dúvidas... tantas que muitas vezes nos apeteceu deixar um recado a alguns ilustradores que, apesar de terem um trabalho excelente, por uma ou outra razão não fizeram parte da lista final.

O post it amarelo daria qualquer coisa assim: "Por favor, não desistas. Keep going!"

A lista completa dos ilustradores selecionados para 2014 está aqui.

7 comentários:

Andrés Sandoval disse...

Isabel, que bela empreitada, parabéns!

edith derdyk disse...

olá isabel/tangerina_ relato transparente que engrandece os olhares - de quem faz, de quem vê e lê, de quem frui!parabéns

dora disse...

Obrigada por nos deixares esta (tão importante) reflexão !

Heloisa Lage disse...

Alegria - ler o seu relato tão especial - obrigada.

Anna disse...

Thank you Isabel!
If somebody is interested, in my blog I wrote the day to day about this rich experience.
Anna (Castagnoli)
http://www.lefiguredeilibri.com/2014/01/21/giuria-mostra-illustratori-2014/


Lucy disse...

Obrigada, Isabel, fiquei e perceber um pouco melhor o porquê de certas escolhas. Parabéns pelo trabalho e pela escrita.
Confesso que achei graça na lista dos escolhidos a este grupinho:
Lee Jisun, Korea
Lee Sinhye, Korea
Lee Solmi, Korea
Lee Soyung, Korea

Joanna Mora disse...

Cara Isabel:

Achei seu post tao interesante, que traduçí para o Espanhol... (com citas, obviamente!)

Está em :
http://verdes-canas.blogspot.com/2014/02/que-se-busca-en-bologna.html

MUITO OBRIGADA por compartir sua experiencia!

Joanna